terça-feira, 30 de junho de 2015

Pergunta o que não deve, ouve o que não quer.


(Rei D. Carlos, pintura a óleo Mário de Novaes)

A propósito de perguntas indiscretas e respostas habilidosas lembrei-me desta história. Parece aplicar-se à situação actual: à pergunta indecorosa, o troco é uma surpresa. Resultado, pouco resta senão sorrir e admirar a inteligência de quem parecia ser “indefesa presa”. Quanto à resposta dos gregos, logo veremos.

…episódio que se conta do nosso Rei, o Senhor Dom Carlos, que entrando no portão majestoso do palácio ducal de Vila Viçosa deparou com um jovem criado deveras parecido com os Príncipes, seus filhos. Muito intrigado, não resistiu a dirigir a palavra ao rapaz e, quase sem ele se aperceber do rodeio, inquiriu-lhe: - “Diz-me lá, moço, a tua mãe foi aqui empregada do Paço?”. O rapaz, muito cortês e respeitoso retorquiu-lhe com um sorriso um tanto malicioso: - “Saiba Vossa Majestade que não. Meu pai é que foi aqui jardineiro…”. O nosso Rei apreciou muito a resposta e só conteve a gargalhada porque havia aquele respeito a moderar as relações. 
de : R. Forjaz de Brito, 1984. 

domingo, 28 de junho de 2015

Era o Sal de Setúbal




Pelo interesse histórico que o sal teve na nossa civilização, e no caso em concreto, na actividade económica de Setúbal, aqui deixo apenas a descrição do que eram umas salinas na foz do rio Sado. Com pena minha, não consigo localizar exactamente as ditas salinas, mas talvez algum dos leitores possa vir a acrescentar informações que o venham a permitir. Apenas uma nota informativa, um moio corresponde a 900 kg.

(fonte: Do glorioso passado das marinhas do Sado; Neves, Renato) 

Aqui está uma avaliação das ditas salinas em 1868:

#1 Uma marinha nas Praias, freguesia de São Sebastião (da Palma, em Alcácer do Sal), desta cidade (Setúbal), que tinha na repartição na extinta roda do sal, noventa moios, da qual são enfiteutas os herdeiros de Agostinho Rodrigues Albino, e confronta pelo Norte com baldio de Santo Ovídio, pertencente a José Joaquim de Oliveira e Silva, do Sul com esteiro da citada marinha, Nascente com uma marinha de João José Soares, e Poente com a de D. Ana Carlota de Gomes Meneses Ferro, e atendendo ao seu estado lhe damos de valor a quantia de um conto e quinhentos mil réis.

#2 Uma marinha sita no Granadilho, dita freguesia, que tinha na extinta roda do sal, vinte e três moios, da qual são enfiteutas os ditos herdeiros, e confronta do Norte com esteiro da mesma marinha, do Sul com madre d’água, do nascente com marinha de José Maria do Patrocínio Meneses Ferro e do Poente com a de João Esteves de Carvalho, atendendo ao seu estado, damos-lhe de valor a quantia de trezentos mil réis.

#3 Uma marinha denominada a primeira, no sítio dos Montes, da dita freguesia, que tinha de repartição na extinta roda do sal, setenta e um moios, da qual são enfiteutas os ditos herdeiros de Agostinho Rodrigues Albino, e confronta do Norte com madre d’água da marinha do Guedes pequena abaixo confrontada do Sul e Poente com a dita madre d’agua e nascente com a marinha do Guedes, atendendo ao seu estado, damos-lhe de valor a quantia de setecentos mil reis.

#4 Finalmente uma outra marinha no dito sitio das Montes, denominada a segunda do Guedes pequena, que tinha de repartição na extinta roda do sal, cinquenta e três moios da qual são enfiteutas os ditos herdeiros, e confronta pelo Norte com a madre de agua e a marinha de José Maria da Costa, do Sul com a Madre de água, do Nascente com marinha do dito José Maria da Costa, no mesmo alagamento e poente com a marinha do Guedes grande, acima confrontadas e atendendo ao seu estado lhe damos de valor a quantia de seiscentos mil reis.

Setúbal, 12 de Novembro 1868.
…..
E duas outras Marinhas, situadas no esteiro da Palma, aforadas a Agostinho Rodrigues Albino, hoje a seus herdeiros:

#5 Uma marinha situada no esteiro da Palma, freguesia de S. João da Palma deste julgado (Setúbal), e ali depois de a termos examinado, vimos que confina do Norte com esteiro do Guedes, do Sul com marinha dos Carmos de João Infante de Lacerda, do nascente com marinha Fidalga de José Branco de Cabedo, e do Poente com marinha do Casarão de João Esteves de Carvalho. Calculamos que a referida marinha pelo seu estado e extensão, deve produzir, termo médio, nove centos moios de sal, que a preço médio de cada moio de novecentos reis, sendo portanto a importância total da produção de oito contos e dez mil reis. Que daquela quantia há a deduzir a quantia de trezentos mil reis, importância das despesas de custeamento, vindo portanto a ser o rendimento líquido da marinha quinhentos e dez mil reis, que tanto é o valor locativo dela, e avaliamos conseguintemente o valor venal da mesma marinha em dez contos e duzentos mil reis, importância de vinte rendas.

#5 Marinha denominada Guedes comprido, situada nos retro mencionados esteiro e freguesia, e ali observamos que esta confina do norte com a de João Esteves de Carvalho, de Sul com o rio da Palma e marinha dos Penentes, do nascentes com marinha do João Esteves de Carvalho, e do poente com rio da Palma. Calculamos em atenção à capacidade da mesma marinha que a sua produção media deve ser de trezentos moios de sal, que a novecentos reis cada um, importam em duzentos e setenta mil reis, que reduzidas as despesas de custeamento que calculamos em cem mil reis, vem a ser a renda líquida da marinha cento e setenta mil reis, e sendo este o valor locativo, segundo os cálculos que fizemos e deixamos referidos, é o valor venal da marinha de três contos e quatrocentos mil réis, importância de vinte rendas.


18 de Novembro 1868. 

sábado, 13 de junho de 2015

O Diplomata que vem de Alvito



( D. José Lobo da Silveira, décimo sexto Barão de Alvito, quarto Marquês de Alvito, 1928-1917). 

Consta que quando a Rainha D. Maria Pia lhe indagou se nascera em Alvito, D. José Lobo da Silveira respondeu, sempre no seu tom vivo e jovial, que lhe era característico: <Nasci em Belém, tal qual como o menino Jesus. Ali abri os olhos pela primeira vez a 11 de Março de 1826, um dia depois de ter morrido D. João VI no Paço da Bemposta. E acrescentava: morria um rei e logo nascia um camarista>.

Episódios protagonizados pelo Marquês de Alvito, pela sua piada, autenticidade e particular personalidade, chegaram alguns aos nossos dias. Mas de tantas vezes se fazer referência a este personagem como pessoa de particular “chiste”, e como só conheço "alguns" episódios, temo que tenham chegados muito poucos, do manancial criativo da "personagem". Com certeza, voltarei a D. José Lobo da Silveira mais vezes.

Era ele filho de uma família Miguelista, e que por isso amargou, perdendo não só património como influência. Por alguma razão, o décimo sexto Barão de Alvito e quarto Marquês de Alvito, foi acolhido por El-Rei D. Luís que o nomeou Gentil-Homem da sua Câmara Real.

Foi primeiro Barão de Alvito o Doutor João Fernandes da Silveira. Segundo alguns investigadores, era o Doutor João Fernandes da Silveira filho do Senhor Fernando Afonso da Silveira da casa dos “Silveiras” descendentes do grande “Giraldo sem Pavor”, aquele que tomou aos Mouros, no tempo D’El-Rei D. Afonso Henriques, a cidade de Évora, mas existem outras teorias.  O Doutor Fernando Afonso da Silveira, doutor em Leis por Bolonha foi Embaixador de D. João I, e quem negociou o casamento da Infanta D. Isabel com Filipe II de Borgonha e das pazes de 1411 com Castela.

Foi desta “esclarecida” casa dos Silveiras, que nasceu este João Fernandes da Silveira, doutor em leis, tal qual o seu pai o fora. Prestou muitos serviços à Coroa, foi Regedor da Casa da Suplicação de D. Afonso V, ao lado deste combateu no Norte de África e mais tarde está nas conquistas de Arzila e Tanger. Como diplomata integrou a embaixada de obediência ao Papa Nicolau V, tratou do casamento da Infanta D.Leonor com o Imperador Frederico III. O contrato deste casamento ainda se encontra em Nápoles e, curioso, no lugar onde a imperatriz D. Leonor, em 1452 se encontrou com o futuro marido, mandou o embaixador erguer uma coluna com o escudo de Portugal. Foi ainda feito cavaleiro pelo Imperador Frederico III.


casamento de D. Leonor de Portugal com o Imperador Frederico III

Mais tarde tratou do casamento da Infanta D. Joana com o Rei de Castela. Esteve em Roma como embaixador ao Papa Calisto III, e teve tantas outras missões a Roma, Veneza e Florença, tento prestado serviços não só a D. Afonso V, como também a D. João II que o “magnifico doutor” vê os seus esforços serem reconhecidos pela atribuição do título de Barão de Alvito, em 1475, o primeiro título de Barão dado em Portugal, para si e para a sua descendência.


(Brasão da Casa de Alvito é: em campo de prata cinco lobos pardos em aspa, armados de vermelho, tendo o escudo uma bordadura de azul com oito aspas de ouro: o timbre é um dos Lobos do escudo com uma aspa na espádua. Mais tarde foi acrescentada a bordadura de azul, que, em Portugal, é privativa dos barões de Alvito.)

A história deste doutor é longa e os 400 anos que medeiam o primeiro Barão do décimo sexto dão “pano para mangas”. Prometo continuar mais amiúde. 


segunda-feira, 8 de junho de 2015

O Sono do Príncipe


 (fonte: Instituto de Investigação Cientifica Tropical)


Consta que a árvore do cacau for levada para a Ilha do Príncipe, como planta ornamental,  pelo Coronel José Ferreira Gomes. Como quase todas as culturas tropicais, o cacaueiro deu-se muito bem naquelas latitudes, e em pouco tempo tornou-se na riqueza do Príncipe. Como cultura extensiva que é, laboriosa e de trabalho constante ao longo do ano, é altamente exigente em de mão de obra. Para que exista mão de obra, é necessário que as condições de salubridade da ilha permitam a sobrevivência dos seus habitantes, coisa que não estava garantida, muito pelo contrário, quando o Príncipe é atingido por uma autentica doença alienante e mortal. Ou se abandonava a ilha ou se fazia frente à doença misteriosa.
Para dar um exemplo daquilo que era a mortandade, no ano de 1855 contavam-se 3.000 habitantes nativos, em 1907 restavam 350. Outro indicador aponta para que entre 1902 e 1913 tenham morrido 2.525 indivíduos, sendo que em 1902 eram cerca de 3.800 os habitantes.
Reza a história que por volta de 1825 começou a ser observada na ilha a “mosca do Gabão” (Glossina Palpalis). Nessa época havia um intenso comércio entre a Ilha e o continente Africano de gado e mercadoria, e também de transporte de escravos.


 (fonte: Instituto de Investigação Cientifica Tropical)

Até ao ano de 1870 eram raros os casos de “Hipnose”. No ano seguinte, em Lisboa, na Sociedade de Ciências Médicas, o famoso médico colonial Ferreira Ribeiro faz uma comunicação sobre este importante tema, sob o título “Moléstia de Diagnóstico obscuro”. A moléstia era já bem patente em várias regiões de Angola, mas não tanto no Príncipe. Porém, em 1877 dá-se um revés decisivo. Nesse ano entram na ilha numerosos trabalhadores vindos do Quanza e região do Cazengo onde a doença alastrava. O número de casos apresentou nesse ano tal incremento que passou a ser considerada “flagelo”. A taxa de mortalidade da tal moléstia era de 100%. A corroborar essa asserção é de referir que tendo a Roça Porto-Real contratado em 1894, 600 serviçais provenientes de Angola, região do Cazengo, passados 5 anos todos haviam perecido, vítimas da doença da hipnose que traziam incubada.  

 (fonte: Instituto de Investigação Cientifica Tropical)

A metrópole preocupada resolveu enviar uma missão científica. Assim em 1901, uma missão constituída por Aníbal Bettencourt que assumiu a chefia da mesma, por Ayres Kopke, Gomes Andrade e Correia Mendes, devendo-se acentuar ter sido esta expedição médica uma das primeiras missões científicas que demandaram o continente Africano e a primeira para o estudo da doença do sono. Entretanto a Royal Society of London apoiou duas missões britânicas de estudo da doença, em Entebe (Uganda).
A expedição esteve no Príncipe em Maio de 1901, tendo verificado que a Roça Sundy, com uma população aproximada de 400 serviçais baixavam diariamente ao hospital privativo, cerca de 10 doentes, em média, todos eles atingidos pela hipnose.  

(fonte: imagens disponíveis na internet)

O mundo científico dedica-se a investigar as origens e transmissão da doença. Surge a controvérsia entre a comunidade médica portuguesa e inglesa. Seria bactéria ou parasita?
Foi graças às descobertas de Manson , de Fonde e Dutton, que se identificou o vector da doença, a Glossina, e isolou o tripanossomas responsável pela doença. Com estes conhecimentos foi possível propor medidas de saneamento e combate.
Assim, numa segunda missão chefiada por Correia Mendes, que incluiu Damas Mora, Bruto da Costa e Silva Monteiro que permaneceu 1 ano no Príncipe, entre 1907-08, foram estudadas as condições para a propagação da doença e testados vários fármacos no seu combate, dentro os quais o Atoxil  que veio a ser o mais bem sucedido. Esta equipa propõe medidas de saneamento e combate à mosca e controle do depósito da doença.

Com trabalho e disciplina, em 1914 a doença encontrava-se erradicada. Bravo!

(fonte: "Comunicação apresentada ao I Congresso Nacional de Medicina Tropical, celebrado em Abril de 1952, Lisboa". )